SEXO: PRAZER OU OBRIGAÇÃO?
21/08/2011 20:42
Sexo é bom e todo mundo gosta. Ou quase todo mundo. Ainda que proporcione prazer, vínculo afetivo e bem-estar, tem muita gente que não consegue sentir nenhum benefício no ato sexual e pratica sem desejo. E, claro, fazer por obrigação leva à frustração. "Não gosto de sexo. Faço porque meu marido me procura. É claro que gostaria de reverter essa situação. Entendo que ter desejo é algo normal, mas não sei como mudar isso", confessa Elisa*, de 37 anos. Como ela, existem várias outras que pensam e sofrem o mesmo.
Foram inúmeras as conquistas femininas nas últimas décadas, entre elas, as sexuais. Antes do movimento de liberação sexual, as mulheres, com exceção das prostitutas, eram vistas como "seres assexuados", que só deveriam fazer sexo para procriar. O prazer era restrito aos homens.
Herdeiras das gerações anteriores, hoje muitas ainda mantêm a ideia de que sexo é algo sujo, masturbação é pecado e que somente o homem tem direito a alcançar o prazer. E mais: que o marido pode transar com a mulher toda vez que sentir vontade, independentemente dela estar a fim. Este é um dos motivos que faz o sexo ser encarado como obrigação e não uma relação em que duas pessoas buscam o prazer.
Segundo a terapeuta sexual e de casais Ana Maria Zampieri, há muitas razões, principalmente culturais, pelas quais isso acontece. "Uma delas é a construção sócio-histórica de fundo religioso que diz que temos obrigação de satisfazer sexualmente os nossos cônjuges mesmo quando não há desejo sexual", menciona.
O ginecologista Eliano Pellini também acredita que, apesar de terem conquistado autonomia financeira, muitas mulheres ainda se submetem aos parceiros fornecendo sexo em troca de companhia. "Elas fingem gostar de sexo para garantir carinho e proteção do homem, além de um status exigido pela sociedade. Muitas que reclamam de falta de desejo na verdade só querem ter uma melhor vida sexual para servirem ao parceiro", afirma Eliano, membro da Comissão Científica de Sexualidade da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH) e chefe do setor de Sexualidade Humana de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Rotina X Tesão
Outro fator que contribui para a perda da libido é a convivência. "Estudiosos dizem que o excesso de convivência mata a química do amor-paixão-tesão. A total rotina e a previsibilidade um do outro, assim como a falta de criatividade no erotismo que deixa o sexo 'mecânico', interferem na libido. A perda de interesse em surpreender a outra pessoa faz com que ela deixe de se sentir especial", explica a psicóloga Ana Maria Zampieri.
Mas se as pessoas se casam justamente para viverem juntas, como isso pode prejudicar a relação sexual? Para Eliano Pellini, os casais não estão preparados para a rotina e acabam se desencantando no casamento quando ela chega. "As mulheres carecem mais de estímulos do que propriamente da libido. Quando escolhem parceiros que se preocupam com elas e não apenas as usam como receptoras da carga negativa que eles acumulam durante o trabalho (que são expelidas, por exemplo, na ejaculação), as mulheres naturalmente redescobrem o desejo sexual", explica.
O sexólogo Celso Marzano, diretor do Centro de Orientação e Desenvolvimento da Sexualidade (CEDES) e do Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática (ISEXP-SP), cita os problemas cotidianos como inimigos do prazer. "O dia a dia conspira contra o sexo, conciliar a família, os amigos, o trabalho e os nossos interesses pessoais é muito difícil. Adicionamos a todo esse estresse a situação financeira instável, outras questões que afetam nosso controle emocional e o envelhecimento inevitável do nosso corpo. Por tudo isso, em algum momento acabamos apresentando algum tipo de disfunção sexual, de maior ou menor grau", define.
Algumas pessoas vêem a vontade de fazer sexo diminuída por motivos que afetam o interesse físico no parceiro, o equilíbrio psicológico ou doenças que as debilitam. A falta de higiene pessoal, a obesidade, o alcoolismo, a estafa física, a depressão, a baixa autoestima e o uso de medicamentos como calmantes, antidepressivos e anti-hipertensivos podem prejudicar a libido.
As alterações hormonais, principalmente aquelas ocorridas na menopausa ou na tensão pré-menstrual, também dificultam a resposta sexual. "Há pessoas que são condicionadas a só se sentirem atraídas por corpos jovens e perdem o interesse quando o cônjuge envelhece, da mesma forma que alguns homens deixam de sentir desejo por mulheres que se tornaram mães de seus filhos", comenta Ana Maria Zampieri. Ela acrescenta que os cuidados com o corpo e a autoestima são fundamentais para resgatar o prazer no sexo.
“Elas hoje querem parceiros mais receptivos, que não utilizem seu poder para fazê-las submissas, e reclamam que o homem brasileiro ainda é muito 'machão'. Mas elas próprias, ao serem mães, favorecem a formação de homens machistas”
Esse tal de orgasmo
A falta de orgasmo durante a relação sexual e a obsessão em atingi-lo são outros fatores que desestimulam as mulheres. Segundo o ginecologista Eliano Pellini, pode causar mal-estar e dores na região pélvica. "A congestão de sangue nos órgãos sexuais femininos fica retida quando a mulher passa muito tempo sem alcançar o orgasmo, o que geralmente leva ao que chamamos de dor pélvica crônica", esclarece o médico.
Outro problema surge quando a mulher não é estimulada corretamente e não se excita a ponto de ficar lubrificada. Sem esta preparação preliminar o ato sexual torna-se doloroso e pode causar vaginismo (contração muscular involuntária que impede a penetração), fissuras, infecções e corrimentos que irão piorar e prolongar o desconforto nas próximas relações - um ciclo que elimina o prazer sexual. É bom lembrar que quantidade não traduz qualidade.
A "obrigação sexual" é ainda mais intensa quando o parceiro exige sexo mesmo que o cônjuge não esteja com vontade. "Para resolver este impasse, o primeiro passo é o diálogo, pois esta postura exigente só leva a maiores desgastes e afastamentos",
Eliano Pellini e Ana Maria Zampieri afirmam que muitas mulheres não têm prazer porque seus maridos e elas mesmas não receberam educação para o prazer. "Deve-se saber dizer não quando não se quer, e, claro, explicar o porquê. Não faz sentido se submeter a verdadeiros estupros na cama conjugal. Isso é violência legitimada pela cultura machista", adverte a psicóloga.
Para o ginecologista, muitas disfunções sexuais como esta seriam sanadas se houvesse uma reforma global na educação das crianças, por exemplo. "Elas hoje querem parceiros mais receptivos, que não utilizem seu poder para fazê-las submissas, e reclamam que o homem brasileiro ainda é muito 'machão'. Mas elas próprias, ao serem mães, favorecem a formação de homens machistas e meninas que crescem achando que devem servi-los", atesta Eliano Pellini.
Como manter a chama acesa? "Resgatar as respostas sexuais (o gostoso arrepio na nuca, o desejo incontrolável de ir para a cama após muitos beijos, as fantasias, o tremor do corpo) não é impossível. Para isso, devemos manter a nossa sexualidade sempre vibrante e presente para evitar que o desgaste do dia a dia leve os casais a serem somente bons amigos e quase ex-amantes", recomenda Celso Marzano. Se a libido anda muito baixa, outra solução é buscar tratamento adequado com um terapeuta sexual.
“Fica difícil desejar uma boca que nos desqualifica, beijar um corpo que nos maltrata e acariciar mãos que nos acusam ou nos agride. Amor não deve ser confundido com desrespeito”
Aí vão algumas dicas para recuperar o gosto pelo sexo:
- Cultive o diálogo sincero.
- Procure ser atraente para o outro em atitudes e cuide da própria saúde e higiene.
- Seduza e deixe-se seduzir.
- Mantenha a autoestima elevada. "Temos que nos amar para podermos dar amor, temos que nos sentir atraentes para atrairmos", aconselha o sexólogo Celso Marzano.
- Busque criatividade, empatia, carinho, gentileza. Faça com que o outro se sinta especial.
- Lembre-se: alguém tem que começar, mas os dois precisam se dedicar. A busca pelo prazer deve ser mútua.
- Cultive o respeito sempre. É preciso querer e estar à vontade para transar.
- Melhore a intimidade entre vocês.
- Não encare o sexo como algo sujo, ruim ou doloroso, mas como algo saudável. Desejo não é pecado, faz parte da natureza humana.
- Conheça e explore seu corpo. Não há nada de errado em se tocar.
- Invente maneiras de despertar o desejo e compartilhe-as. "O casal deve discutir as suas fantasias sexuais e colocá-las em prática, se não for agressivo para qualquer um dos dois", acrescenta Marzano.
- Durante o sexo, não se limite: tente novas posições e carícias. Liberte-se.
- Invista muito e cobre pouco.
- Tenha paciência. Muita. "Lembre-se de que o processo de reconquista é muito mais delicado que o da conquista", recorda a psicoterapeuta Ana Maria Zampieri.
- Se for preciso, procure ajuda profissional.
E, quando nada mais puder ser feito com o parceiro, permita-se abrir-se para novas possibilidades. "Fica difícil desejar uma boca que nos desqualifica, beijar um corpo que nos maltrata e acariciar mãos que nos acusam ou nos agridem. Amor não deve ser confundido com desrespeito. Um grande depósito de mágoas faz perder totalmente o desejo", reitera Ana Maria Zampieri. Busque o prazer para ser feliz, e não por medo, por dependência emocional ou financeira. "O sexo por obrigação só perpetua as disfunções sexuais", ressalta o ginecologista Eliano Pellini.
bolsademulher.com